por Glauco Faria, no OUTRASPALAVRAS
“A vida prossegue. A política tem horror a vácuo. Ela substitui as peças com muita rapidez e organiza uma fuga para frente.” A declaração do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, dada nesta quarta-feira (28) em um fórum jurídico na Faculdade de Direito de Lisboa, ilustra uma realidade da arena política desde sempre e, obviamente, traz a reflexão sobre as possíveis consequências da decretação da inelegibilidade de Jair Bolsonaro.
Em entrevista concedida ao Deutsche Welle, a doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EPPG) Graziella Testa aponta que o vácuo apontado por Gilmar Mendes pode ser preenchido por alguém de orientação semelhante à de Bolsonaro. “É mais provável que esse resultado [do julgamento no TSE] gere dividendos para a direita ou centro-direita, para outros candidatos ou outras personalidades desse campo. Esse é um eleitorado que dificilmente vai cruzar tão longe o espectro político.”
Seria, de fato, o caminho mais evidente. Mas a constatação abre caminho para outro debate: quando se fala de direita no Brasil, do que exatamente estamos falando? Desde 2018, em especial, este campo passou a ter como protagonista um segmento extremista, cuja atuação se baseia em uma espécie de terrorismo moral pavimentado pelo antiesquerdismo que agregou campos e interesses distintos desde antes da própria eleição de Bolsonaro.
O ex-presidente só conseguiu chegar ao Palácio do Planalto nestas condições específicas que envolvem um caldo de autoritarismo presente na população brasileira, fruto da própria história do país e também da ausência de uma justiça de transição efetiva na redemocratização, e do cerco promovido pela Lava Jato, com suas irregularidades múltiplas. O status quo que apoiou este movimento não calculou que entre as consequências estaria, por exemplo, a virtual falência da condição de competidor nacional de partidos tradicionais, como o PSDB, que durante décadas polarizou com o PT.
Se economicamente o governo Bolsonaro conseguiu contemplar os interesses dos grandes, especialmente do mercado financeiro, outros aspectos de sua gestão, como a condução da pandemia, incomodaram parte dessa mesma elite e segmentos da mídia tradicional que trataram anteriormente de normalizar a extrema direita como se fosse parte natural do jogo. Não à toa, durante boa parte de 2021 e 2022 se falou a respeito da formação de uma suposta “terceira via”, que nunca vingou.
Entre a “terceira via” e um extremismo renovado
A obsessão pela dita terceira via deve renascer com força para, inclusive, aproveitar nomes que estiveram ou no próprio governo Bolsonaro, como o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas, ou junto ao bolsonarismo, como o governador de Minas Gerais Romeu Zema. No entanto, ainda que um e outro pudessem ser ungidos pelo próprio Bolsonaro, nada indica que outras figuras que professam a mesma cartilha extremista ficariam satisfeitas com tal solução.
Assim, seria aberto um caminho para outra (ou mais de uma) candidatura, próxima ao figurino, discurso e maneirismos do ex-presidente, já que o mesmo caldo que formou Bolsonaro continua sendo fomentado pela estrutura milionária formada nas redes sociais e intensificada pelos algoritmos das plataformas. É pouco provável que esse segmento siga uma ordem unida para alguém com o perfil que se aproximaria àquele dos candidatos do antigo PSDB.
Com duas ou até mais candidaturas no mesmo campo, abre-se o espaço para a esquerda e a centro-esquerda se aproveitarem da divisão. Do ponto de vista eleitoral, é importante ressaltar ainda que um eventual governo Lula 3 bem sucedido, sendo já uma gestão que abarcou setores de centro e centro-direita em 2022, poderia atrair pessoas que votaram nesse campo à direita nos últimos pleitos, mas que não têm ligação orgânica com ele.
Bolsonaro é uma liderança forjada a partir de circunstâncias específicas, como já dito, e parte delas não existe mais, o que diminui sua força, capital político, ainda que garanta seu protagonismo entre os extremistas, que não são poucos, mas não são maioria. Quem terá primeiro que resolver suas próprias contradições para se aproveitar do vácuo criado pela inelegibilidade do ex-presidente é a própria direita e parte do chamado “centro democrático” (que nem sempre esteve ao centro e tampouco afeito à democracia). A esquerda pode, por enquanto, assistir ao embate. Sem ficar parada.