Mais da metade das áreas de terra firme na Amazônia brasileira foram pouco estudadas pela ciência. Os vazios de conhecimento sobre a biodiversidade nessas regiões representam cerca de 54%, uma proporção menor em comparação com as zonas úmidas e ecossistemas aquáticos da região.
De acordo com as informações da Embrapa, essa lacuna de conhecimento sobre a biodiversidade amazônica é um dos principais resultados de um mapeamento abrangente da pesquisa ecológica em toda a Amazônia brasileira, realizado por cientistas de instituições brasileiras e internacionais. Dessa forma, os pesquisadores se unem e sintetizam informações sobre estudos da biodiversidade amazônica.
O trabalho está no artigo “Pervasive gaps in amazonian ecological research” (Lacunas persistentes na investigação ecológica da Amazônia), publicado nesta semana na revista Current Biology. Além disso, o artigo reúne estudos de comunidades ecológicas coletadas em mais de 7 mil locais para nove grupos de organismos da biodiversidade terrestre e aquática.
Com isso, a partir da compilação de várias bases de dados e do conhecimento disponível sobre a biodiversidade na região, os cientistas revelam onde as pesquisas ecológicas estão localizadas e evidenciam as áreas da região com baixa probabilidade de serem estudadas.
A análise considerou diferentes ecossistemas, incluindo florestas de terra firme, florestas alagáveis e em ambientes aquáticos, como igarapés, rios e lagos.
Os resultados mostram que os vazios de conhecimento cobrem:
“Vimos que alguns fatores, principalmente a distância dos grandes centros onde estão localizadas as estruturas de pesquisa explicam esse cenário”, comenta a bióloga Raquel Carvalho, que foi pesquisadora de pós-doutorado associada à Embrapa Amazônia Oriental durante o estudo.
A distribuição da pesquisa ecológica em nove grupos de organismos da biodiversidade terrestre e aquática – invertebrados bentônicos, heterópteros, odonatas, peixes, macrófitas, aves, vegetação lenhosa, formigas e besouros rola-bosta – revelou uma disparidade significativa nos três tipos de habitats investigados em um total de 7.694 pontos de coleta de dados.
“Nossos resultados comprovam que vastas áreas da Amazônia permanecem pouco estudadas, elas correspondem a verdadeiros vazios de conhecimento da sua biodiversidade”, afirma a bióloga Joice Ferreira, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental.
Contudo, mesmo que o trabalho evidencie que há menos investigação sobre a biodiversidade das florestas de terra firme, os cientistas estimam que entre 15% e 18% das áreas sem estudo sofrerão mudanças severas no clima ou estarão sujeitas a desmatamentos e degradação até 2050. “Esse cenário preocupa, pois o uso sustentável da biodiversidade e o desenvolvimento pleno da sociobio economia demandam que compreendamos bem a distribuição da riqueza da região” acrescenta a cientista.
Utilizando um modelo de aprendizado de máquina, a pesquisa analisou a probabilidade de ocorrência de atividades de desmatamento e degradação florestal na Amazônia brasileira durante o período de 2010 a 2020. O estudo revelou a vulnerabilidade do bioma às mudanças resultantes da intervenção humana, destacando ações como o desmatamento e a degradação florestal.
“Usamos cinco fatores de análise para as lacunas de conhecimento: acessibilidade, distância das instalações de pesquisas, posse de terra, degradação, e duração da estação seca”, explica a engenheira-florestal Angélica Faria de Resende, que foi pesquisadora de pós-doutorado associada à Embrapa Amazônia Oriental durante o estudo.
A logística, principalmente a acessibilidade e a distância dos centros de pesquisa, e os fatores de influência humana representam 64% da probabilidade para a existência dos estudos ecológicos. Os vazios de conhecimento da biodiversidade na região são afetados pela falta de infraestrutura distribuída em diferentes localidades da Amazônia. “Há uma concentração de estruturas e investimentos nos grandes centros urbanos da região”, afirma Joice Ferreira, da Embrapa.
Para o pesquisador Jos Barlow, da Universidade de Lancaster, Reino Unido, ao quantificar o cenário da pesquisa ecológica na Amazônia brasileira, o trabalho mostra a importância de ir além das áreas acessíveis e próximas a bases de pesquisa, e expandir para regiões que provavelmente serão afetadas pelas alterações climáticas ou pelos desmatamentos. “Fazer isso não será fácil, e a ecologia sozinha não resolverá as crises ambientais que o mundo enfrenta. Necessitamos de muita cooperação de pesquisa entre países, incluindo os países amazônicos”, ressalta Barlow.
Outros pontos de destaque no estudo foram os fatores de degradação da floresta e a destinação das áreas. Os cientistas atestaram que a probabilidade de pesquisa diminuiu em áreas mais degradadas e em Terras Indígenas (TIs). “Vimos que o esforço de pesquisa é mais limitado em Terras Indígenas, o que preocupa, pois elas representam cerca de 23% da Amazônia brasileira”, alerta Raquel Carvalho.
O trabalho resulta de uma grande rede de pesquisa consolidada no âmbito do Synergize, projeto que integra informações de diferentes disciplinas para gerar conhecimento. “É a chamada ciência de síntese, ou seja, não se coleta dados novos, mas junta-se tudo o que existe para responder questões em um escopo maior”, explica Joice Ferreira.
Além disso, o projeto, que faz parte do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), reúne 29 pesquisadores de 12 instituições nacionais e internacionais e é coordenado pela Embrapa e pela Universidade de Bristol, no Reino Unido. O artigo publicado na revista Current Biology, por exemplo, reuniu dados de cerca de 600 colaboradores de mais de cem instituições de ensino e pesquisa.
Para compreender melhor a situação das pesquisas ecológicas na Amazônia brasileira e fazer recomendações a tomadores de decisão, o grupo de pesquisadores do Synergize realizou um estudo adicional sobre investimentos em pesquisas na região.
As recomendações estão organizadas em um sumário para políticas (policy brief) intitulado “Como superar os desafios que limitam as pesquisas ecológicas na Amazônia”, que está disponível no website do Centro SinBiose.
“Os resultados desse estudo são importantes para orientar ações mais estratégicas de fomento às pesquisas na Amazônia, especialmente neste momento em que a reunião dos chefes de Estado da Amazônia Legal – a Cúpula da Amazônia – se aproxima. Nossos estudos apontam que não basta apenas aumentar os recursos disponíveis; é necessário uma alocação bastante estratégica por parte dos tomadores de decisão”, finaliza Joice Ferreira.
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