A análise de novos documentos que chegaram à CPMI do 8 de janeiro deve nortear os próximos passos do colegiado. A expectativa, tanto da relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), como de parlamentares oposicionistas é de que o acesso às informações possa subsidiar e definir a programação dos depoimentos do segundo semestre. Enquanto os governistas acreditam no avanço das investigações em relação aos possíveis financiadores dos ataques, senadores e deputados da oposição preveem que eventuais omissões de atores responsáveis pela segurança dos prédios invadidos ficarão evidentes.
— A CPMI do 8 de janeiro retomará os trabalhos no início de agosto com informação suficiente para termos condições de ouvir os próximos depoentes, levando em conta dados concretos que já analisamos. Podemos ainda pedir a reconvocação de pessoas, se for necessário, para novos esclarecimentos e, sobretudo, confrontar informações de quem já passou por lá prestando depoimento. Inclusive há equipe trabalhando na análise de documentos neste recesso — afirmou a relatora à Agência Senado.
Instalada no dia 25 de maio, a CPMI ouviu oito depoimentos e aprovou mais de 300 requerimentos, que vão desde convocações de testemunhas a pedidos de informação oficiais e quebras de sigilos para embasar os trabalhos. Somente na última reunião do semestre, no dia 11 de julho, foram aprovados 90 pedidos como esses. Muitos para acesso a sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático de pessoas que já prestaram depoimento, como o ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques. A oitiva dele, em 20 de junho, foi uma das mais questionadas por governistas, para quem o depoente apresentou dados “mentirosos ou contraditórios”. Com base nessa argumentação, Eliziane requereu a quebra de todos os seus sigilos.
— Nós estamos pedindo quebra [de sigilos] do ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal, que claramente, de forma escrachada, mentiu nesta comissão — disse a relatora no dia da aprovação do requerimento.
A chamada sala-cofre da CPMI tem recebido um grande número de documentos sigilosos. Entre os arquivos secretos, há os relacionados a quebras de sigilos telemáticos, telefônicos, bancários ou fiscais e os referentes a processos judiciais e inquéritos policiais que já estão em curso.
Localizada em um subsolo, na Sala 19 da Ala Alexandre Costa, a sala-cofre é vigiada por câmeras. Apenas senadores e alguns poucos servidores e assessores podem ver os documentos. Há um sistema de cadastro e senha para o acesso, além de ser proibida a entrada com qualquer dispositivo eletrônico, como aparelho celular.
Na avaliação da relatora, o cruzamento desses dados vai subsidiar uma das linhas de investigação defendida por ela: identificar os financiadores dos atos de vandalismo.
— Nossos próximos passos são, principalmente, aprofundar a investigação sobre a atuação dos financiadores dos atos golpistas, que é uma ação crucial para identificarmos os mentores de todos esses eventos relacionados, além de partir para a análise de quebras de sigilo, que também começam a chegar à CPMI. Temos pouco mais de dois meses de trabalho, marcados por algumas oitivas e pela obtenção de dados oficiais, alguns abertos e outros sigilosos, o que nos garante material importante para contribuir com as próximas etapas do processo de investigação — acrescentou Eliziane.
Integrantes oposicionistas da CPMI lamentam o que chamam de “sequestro” da competência investigatória do colegiado pelo governo. Para eles, até o momento, a programação das oitivas como também a votação dos requerimentos para busca de informações junto a ministérios e outros órgãos públicos, bem como as quebras de sigilo, não avançaram na tentativa de esclarecer as possíveis omissões por parte do Executivo Federal.
— Nesses dois meses só se buscou reforçar a narrativa goela abaixo com oitivas que nada têm a ver com o dia 8 [de janeiro]. Mas as oitivas que a gente precisa ouvir, Gonçalves Dias [ex-chefe do GSI], inclusive a questão de falsificação de documentos, as imagens mostrando ele entregando água com sua equipe a manifestantes como se estivessem recebendo amigos em casa, e ele até agora não foi ouvido. As imagens do Ministério da Justiça, com muito esforço, conseguimos na última sessão aprovar. A questão de quem estava hospedado durante os ataques nos hotéis [de Brasília] também [foi aprovada] com muita dificuldade — disse o senador Eduardo Girão (Novo-CE).
Entre os requerimentos aprovados estão: a realização de uma perícia sobre as imagens das câmeras de segurança dos palácios invadidos, pedido de informações ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) sobre a dispensa de militares do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) no dia 8 de janeiro e o acesso a relatórios sigilosos enviados pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que estão em posse da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), do Congresso Nacional.
Na opinião do senador Izalci Lucas (PSDB-DF), essas informações servirão de base para avançar na linha investigatória que apura as possíveis omissões nas esferas federal e distrital.
— O que nós vamos demonstrar agora é aquilo que eles não querem deixar, que é exatamente trabalhar as omissões, porque [sobre] as ações a gente já sabe o que aconteceu, mas nós queremos as omissões. Por que o governo não fez, não se posicionou ou tomou atitudes para evitar o 8 de janeiro? Isso nós vamos demonstrar, para isso temos que quebrar o sigilo e foi a proposta que nós fizemos. Queremos saber porque o ministro da Justiça [Flávio Dino], sabendo de tudo isso, não convocou o Batalhão da Guarda Presidencial, não convocou a Guarda Nacional, poderia ter feito várias ações que poderiam ter evitado isso — disse Izalci que ainda defende a aprovação de requerimentos para quebra dos sigilos telemáticos de Dino, como também do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na última reunião da comissão, o presidente do colegiado, deputado Arthur Maia (União-BA), anunciou que uma subcomissão com seis parlamentares vai definir os próximos requerimentos de convocação que entrarão na pauta. A intenção, segundo ele, é construir uma pauta consensual que atenda os pedidos da maioria do colegiado.
— Essa comissão composta por seis parlamentares ficaria responsável pela elaboração da relação de depoimentos que serão aprovados na próxima reunião, quando voltarmos do recesso. Seria, portanto, uma lista consensual — explicou.
Maia se pronunciou após a cobrança de oposicionistas, que buscam aprovar novas convocações como a do repórter fotográfico da agência de notícias Reuters, Adriano Machado, e do major do Exército José Eduardo Natale de Paula Pereira, ex-integrante do GSI. Ambos apareceram em imagens de câmeras do Palácio do Planalto durante as invasões. O militar explicou à Polícia Federal que conversou e distribuiu água a alguns invasores na tentativa de "conter os danos". Já o fotógrafo fazia a cobertura jornalística dos atos antidemocráticos. Mas para parlamentares da oposição, ele "estaria ligado a infiltrados do governo".
A CPMI foi instalada no dia 25 de maio, quando começou a contar o prazo de 180 dias para as investigações, a tomada de depoimentos e a elaboração do relatório final. Mas antes disso, houve muita polêmica e impasse entre oposição e governo.
A criação do grupo começou a ser aventada por diversos parlamentares após a invasão às sedes dos três Poderes e culminou em proposta que teve como primeiro signatário o deputado André Fernandes (PL-CE) — o parlamentar, segundo a Polícia Federal, teria incitado atos que culminaram com o 8 de janeiro. No Senado, 40 parlamentares subscreveram o pedido de instalação do colegiado misto.
A senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) chegou a apresentar um requerimento para a realização de CPI somente no Senado. Mas como as assinaturas foram colhidas antes da posse da nova legislatura, em 1º de janeiro, foi necessária a ratificação das rubricas, o que acabou não acontecendo.
No dia 26 de abril o presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco, leu o requerimento de instalação da CPMI. O líder da oposição, senador Rogério Marinho (PL-RN), levantou questão de ordem sobre a definição da proporcionalidade na composição do colegiado. Ele pediu que Pacheco levasse em consideração uma norma de 2006 que rege a composição da Comissão Mista de Orçamento (CMO), determinando que “essa formação deve se dar em função da composição dos blocos e partidos na segunda quinzena do mês de fevereiro”. Dessa forma, a oposição poderia ter um integrante a mais na comissão.
Mas em 5 de maio, Pacheco indeferiu questões de ordem apresentadas por Marinho, Eduardo Girão (Novo-CE) e pela deputada Adriana Ventura (Novo-SP) sobre a composição da CPMI. Publicada no Diário do Congresso Nacional, a decisão estabeleceu que, em relação às bancadas partidárias, deve ser considerada a composição vigente na primeira reunião preparatória que antecede a primeira e a terceira sessões legislativas ordinárias de cada legislatura. Já para fins da composição dos blocos parlamentares, é considerada a data da leitura do requerimento de instalação da comissão, ocorrida em 26 de abril. Fazem parte do grupo 16 senadores e 16 deputados com igual número de suplentes. O prazo de funcionamento é de 180 dias. Veja aqui a relação dos parlamentares fazem parte da CPMI do 8 de janeiro.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)