A tragédia provocada com o incêndio em um apartamento, no Valparaíso, que matou, terça-feira, Graciane Rosa de Oliveira, 35 anos, Luiz Evaldo, 28, e o filho do casal, Léo, de 19 dias, acendeu uma luz de alerta nas autoridades e na população. A preocupação se deve à possibilidade de que as chamas possam ter sido provocadas pela impermeabilização, feita de modo inadequado, em um sofá no local do incidente. Para orientar sobre como evitar riscos em situações semelhantes, o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) montou um esquema de divulgação e esclarecimento por mídias sociais e convencionais. Ontem, a imprensa foi convocada para conhecer medidas preventivas que podem ser adotadas e, assim, afastar fatalidades.
A lista de dicas (Veja quadro) é ampla. A corporação orienta, por exemplo, a: pesquisar a experiência da empresa contratada na realização de serviços de impermeabilização em móveis; desconectar aparelhos eletrônicos da tomada enquanto o serviço é realizado no imóvel; desligar bocais do fogão caso estejam acesos e ter certeza de que não há escape de gás.
O tenente-coronel Bruno Marcelino de Almeida Nunes, do CBMDF, explica que os produtos usados para a impermeabilização são produzidos a partir de duas bases: substâncias inflamáveis e água. Entre os que podem gerar chamas, há riscos concretos, em caso de manipulação feita sem a devida atenção. "Os inflamáveis têm ponto de vaporização melhor que a água, e por isso são mais eficientes na limpeza. Mas eles têm a tendência de pegar fogo. Como estão na forma líquida, não vão se inflamar facilmente. Para que isso ocorra, o processo se dá, primeiro, formando uma massa de vapor que pode entrar em combustão. Quando a gente pulveriza o produto no ambiente, gera-se uma condição explosiva", ensina.
Almeida Nunes ressalta que, caso o cliente opte pelo produto à base de inflamáveis, deve redobrar a atenção com algumas orientações. "O ideal é fazer esse processo no ambiente mais arejado possível para diminuir a atmosfera explosiva. Se for um sofá novo, tente negociar com a empresa prestadora do serviço para fazer a impermeabilização antes da entrega. É necessário evitar cozinhar durante o processo, fumar, acender velas, e ter certeza de que todos os equipamentos estão fora da tomada, porque podem se tornar fontes que podem gerar fagulhas", alerta
A impermeabilização à base de água, embora mais segura, é menos procurada pelos clientes. "Por que muitos optam pelos inflamáveis? Porque ele não mancha o chão, não mancha os móveis. Além disso, muitos profissionais os usam pelas facilidades de manejo, porque não são necessárias muitas técnicas", explica Gustavo Henrique Moreira, dono de uma empresa de impermeabilização de mobiliários.
Mesmo com regras no país para a utilização de inflamáveis, o CBMDF aponta a necessidade uma maior fiscalização dos órgãos competentes em relação ao uso dessas substâncias em processos de impermeabilização. Para além da Norma Regulamentadora nº 20 (NR 20) que trata do manuseio desses produtos, contudo, não há normas específicas que tratem da formação e aprimoramento dos profissionais que atuam na área.
Entre os tópicos da NR 20, é abordada a prevenção e controle de vazamentos, derramamentos, incêndios, explosões e emissões. As orientações aos profissionais se limita a que tenham planos de ação em caso de acidentes. Com base na norma, esse planejamento deve ser revisado por recomendações das inspeções de segurança ou quando ocorrerem modificações significativas nos equipamentos com substâncias inflamáveis. "Os tanques que armazenam líquidos inflamáveis e combustíveis devem possuir sistemas de contenção de vazamentos ou derramamentos, dimensionados e construídos de acordo com as normas técnicas nacionais", aponta a normativa.
Preocupados com a repercussão da fatalidade que levou à morte a família em Valparaíso, empresários do setor, no Distrito Federal, montaram um grupo no WhatsApp, em que criticam a falta de instrução e de supervisão de autoridades em relação ao trabalho que empresas do ramo desempenham. Alegam que estão "pagando" pelo erro de quem não é profissional devidamente preparado para a área.
"Queremos que se dificulte, mesmo, o trabalho de quem não é qualificado. Infelizmente, atualmente é fácil qualquer pessoa falar que higieniza e impermeabiliza sofás. Querendo ou não, esse tipo de profissional prejudica a imagem das empresas sérias", disse um empresário no grupo ao que o Correio teve acesso.
Solventes inflamáveis utilizados para impermeabilizar estofados são facilmente encontrados à venda na internet. O benzeno, por exemplo, que pode causar sérios problemas à saúde, chega a custar R$ 800 o litro. Outra substância é o hexano, também inflamável. O galão de cinco litros desse líquido sai por pouco mais de R$ 100.
O Correio questionou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre o registro dos tais produtos citados. Em nota, a área técnica da Anvisa informou que essas matérias-primas de base não têm de ser registradas por ela. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), órgão responsável por regulamentar as atividades relacionadas a inflamáveis e combustíveis, também foi consultado. Até o fechamento desta edição, a pasta não se manifestou.
As apurações sobre o incêndio que vitimou Graciane, Luiz e o bebê do casal seguem sendo tratadas com prioridade pela Polícia Civil. Os laudos periciais, que estão em preparação, determinarão o que causou o fogo. Cogita-se, também, algum vazamento de gás de cozinha.
A polícia não informou se colheu o depoimento de Renan Vieira, o prestador de serviço responsável por aplicar o impermeabilizante no sofá das vítimas. Ele é uma duas pessoas que sobreviveram às chamas e que, quinta-feira, teve alta hospital. A outra é, Maria das Graças, mãe da Graciane, que segue internada no Centro de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte (Hran). Ela teve 30% do corpo queimado.