Do ATUAL
MANAUS – Na Amazônia Legal, registros de propriedades sobrepostas aumentaram de 12,4% para 18,3% em 2023. São 13.433 registros sobrepostos a unidades de conservação, 2.360 a terras indígenas e 206.495 a terras públicas sem destinação. Os estados com mais registros sobrepostos a áreas protegidas são, primeiramente, o Pará, seguido de Rondônia, Amazonas, Roraima e Tocantins.
Os dados são do ‘Panorama do Código Florestal’, produzido pelo Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Terras sobrepostas são àquelas cujo registro de propriedade inclui áreas não particulares, como da União, indígenas e de preservação ambiental.
A situação é considerada alarmante pelos pesquisadores, que relacionam a sobreposição à ineficiência e ao uso indevido do Cadastro Ambiental Rural. Segundo Britaldo Soares Filho, coordenador do estudo, isso facilita registro de declarações fraudulentas, muitas vezes usadas para esconder desmatamento ilegal, déficits de reserva legal ou mesmo para grilagem de terras, sobretudo de unidades de conservação, terras indígenas ou de povos e comunidades tradicionais, e principalmente de terras públicas sem destinação.
O Brasil tem, em média, 95 milhões de hectares a espera de ações de restauração e de pagamento por serviços ambientais. Desses, 74 milhões de hectares (entre 68 e 81) aguardam pagamento referente ao excedente de vegetação nativa preservada em Reservas Legais. Uma média de 21 milhões de hectares (entre 19,3 e 22,6)em Reserva Legal (RL) e em Área de Preservação Permanente (APP) refere-se ao déficit que carece de ações de recuperação.
Das áreas que precisam de ações, algo entre 16 e 19 milhões de hectares correspondem a RL (porcentagem de cobertura nativa que cada propriedade deve conservar) e de 3,0 a 3,4 milhões a APP (áreas ao redor de cursos d’água, prioritárias para a restauração e preservação dos recursos hídricos). São 7 milhões de imóveis rurais registrados no CAR.
O estudo da UFMG mostra que houve poucos avanços na revisão do Código Florestal. As mudanças legislativas flexibilizaram exigências e fiscalizações ambientais, o que permitiu a anistia para desmatadores ilegais e reduziu a necessidade de recuperação de áreas degradadas.
A pesquisa identifica ainda que após o ano de 2008, 26% do desmatamento em imóveis rurais ocorreu em Área de Preservação Permanente ou em propriedades com Reserva Legal abaixo da porcentagem mínima estabelecida pelo Código Florestal, cujo percentual varia conforme o bioma e o tipo de vegetação.
Deficiências do CAR
A Instrução Normativa nº 2, de 2014, do Ministério do Meio Ambiente, detalha os requisitos técnicos do Cadastro Ambiental Rural que estabeleceu o prazo de um ano, prorrogável por mais um, para inscrição no CAR, a partir de maio de 2014.
Apesar da data ter sido prorrogada diversas vezes, o registro permanece aberto. Em novembro de 2024 chegou a 7,3 milhões, número impulsionado pela obrigação a partir de 31 de dezembro de 2017 (Art. 78-A) para acesso ao crédito agrícola, exigências cartoriais, mas também, segundo os pesquisadores, devido ao uso fraudulento para grilagem de terra.
O registro no CAR, primeiro passo para a regularização, é um processo de autodeclaração por meio do SICAR (Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural) ou sistema estadual equivalente. No entanto, devido à predominância do processo manual baseado na interpretação visual, a análise e a validação dos registros têm enfrentado atrasos significativos. Apenas 1,8% (dos 7,3 milhões) teve análise concluída até o momento.
O estudo aponta que o software que sustenta a operacionalização atual está inadequado para lidar com as demandas de cadastro e monitoramento do uso da terra de um país com as dimensões do Brasil.
“Trata-se de um software obsoleto, com interface pouco amigável, que opera offline sem integração de base de dados cartográficos, e limitado ao uso de imagens de satélite de qualidade inferior a outras de livre acesso disponíveis atualmente. Além disso, é um software proprietário, com código-fonte fechado e indisponível”, afirma Soares Filho.
“Os estados e o governo federal são incapazes de atualizá-lo, muito menos integrá-lo a outros sistemas federais. Apesar do Brasil dispor de tecnologia e inteligência territorial gratuitas por parte de Instituições, a exemplo do modelo desenvolvido pelo CSR/UFMG, essa verificação abrangente ainda não é feita pelo Sistema atual.”, complementa o pesquisador.
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