As conclusões do relatório preliminar do Painel de Experts Eleitorais da Organização das Nações Unidas (ONU) causaram revolta no regime de Nicolás Maduro. O documento atesta que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) "não cumpriu com as medidas básicas de transparência e integridade que são essenciais para a realização de eleições confiáveis". "Tampouco seguiu as disposições legais e regulatórias nacionais, e todos os prazos estabelecidos foram descumpridos", afirma o informe elaborado por quatro especialistas enviados a Caracas. O parecer, que a princípio seria confidencial, acabou por vazar à imprensa.
"Anunciar o resultado de uma eleição sem a publicação de seus detalhes ou a divulgação dos resultados tabulados aos candidatos não tem precedente em eleições democráticas contemporâneas", advertiu o informe. O CNE qualificou o relatório de "infame" e afirmou que o texto contraria princípios da própria ONU e está "carregado de mentiras e de contradições". "O conteúdo do dito 'informe' é um documento panfletário e sua 'perícia' fica absolutamente desmoronada em vista dos argumentos pobres e facilmente desmentíveis que usam para tentar deslegitimar o processo eleitoral impecável e transparente realizado em 28 de julho", sustentou o organismo.
Jorge Rodríguez, presidente da Assembleia Nacional venezuelana (de maioria chavista), foi além: chamou os especialistas de "lixo" e propôs a proibição da observação de "estrangeiros" em futuras eleições do país. A divulgação do relatório coincide com propostas de realização de novo pleito presidencial — a medida é defendida pelo ex-chanceler Celso Amorim, assessor para Assuntos Internacionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Enrique Márquez, ex-candidato da oposição, anunciou que pedirá a abertura de investigação criminal contra os diretores do CNE por terem proclamado Maduro como presidente reeleito. Reitor do órgão responsável pelas eleições entre 2021 e 2023, Márquez acusou os diretores do CNE de "se acertarem para emitir um boletim que destrói o voto". O órgão anunciou que Maduro venceu, com 52% dos votos, mas não mostrou provas.
"É preciso ter em conta que, na Venezuela, não há institucionalidade. O CNE não é um ente a parte do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV), de Maduro. O reitor do CNE, Elvis Amoroso, era dirigente político do PSUV. É como colocar um árbitro espanhol em uma partida de futebol entre Espanha e Portugal", comparou Jose Vicente Carrasquero Aumaitre, professor de ciência política da Universidad Central de Venezuela (UCV). Ao conversar com a reportagem, ele disse que tinha acabado de ler o comunicado do CNE e observou que o documento não foi redigido com linguagem técnica. "O termo 'infame', por exemplo, é um adjetivo qualificativo político. O CNE precisa responder tecnicamente às apreciações da ONU. Amoroso cai em contradição: se não apresenta as atas eleitorais, não tem cifras."
Repetição
Sobre a proposta de uma repetição das eleições, Aumaitre explicou que seria necessário um acordo, mas alerta que tal saída representaria ignorar que Maduro roubou o pleito. "Essa solução é típica do Terceiro Mundo, uma questão quase que inaceitável. O que se espera é o respeito pelos resultados de uma eleição. Vejo uma cumplicidade das esquerdas latino-americanas, que desejam se manter no poder a qualquer custo, independentemente do desejo da população", disse, ao citar indiretamente o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que aventou a possibilidade de nova eleição.
Aumaitre lembra que, na Venezuela, não existe uma direita. "Durante o século 20, o petróleo financiou o funcionamento do Estado. Quando se tem um Estado muito rico, é difícil que haja direitas", disse. O especialista acredita que, em caso de repetição das eleições, Maduro sofrerá uma derrota ainda mais contundente. "Os chavistas, por saberem da fraude, não deverão respaldá-lo novamente. Maduro não tem base popular, e essa é a desgraça dele. O Palácio Miraflores sabe disso."
Benigno Alarcon, diretor do Centro de Estudos Políticos e de Governo da Universidad Católica Andrés Bello (em Caracas), considera "pouco provável" uma repetição das eleições de 28 de julho. "É uma medida que não interessa nem ao governo nem à oposição. O governo sabe que o resultado de uma segunda eleição poderia ser pior. Neste momento, há muita frustração entre os venezuelanos, que sabem da possibilidade de Maduro ser derrotado nas urnas. Isso poderia, inclusive, aumentar os níveis de participação popular em uma nova eleição", admitiu ao Correio. Ele duvida que outro pleito ocorra em condições melhores. "As dúvidas levantadas pela comunidade internacional e pela própria população seriam iguais ou maiores. Não creio que as circunstâncias melhorariam."
Para Alarcon, a oposição está convencida de ter vencido em 28 de julho. "O interesse da Plataforma Unitária Democrática é pelo reconhecimento dos resultados das eleições. Se a única saída fosse uma repetição da votação, a oposição poderia considerar isso se houvesse maior integridade eleitoral. Não vejo incentivo da oposição para tentar ir a uma nova eleição", acrescentou.