Dez anos depois, a Operação Lava-Jato segue com controvérsias sobre seus desdobramentos e reveses do Supremo Tribunal Federal (STF). Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, o saldo da força-tarefa é negativo, com destaque para abusos cometidos por parte de agentes públicos e pretensões políticas por trás da operação vendida como a maior do país no combate à corrupção.
Para o professor de estudos brasileiros da Universidade de Oklahoma (EUA) Fabio de Sá e Silva, é preciso analisar os impactos negativos da Lava-Jato.
“Ajudou a causar recessão econômica, foi pródiga na violação da lei e de direitos e garantias processuais e pavimentou o caminho para a ascensão da extrema-direita, inclusive antecipando algumas das táticas dos extremistas, como os ataques ao STF. Não por acaso, é nesse ponto do espectro político que estão seus principais protagonistas”, disse.
Segundo Silva, os principais personagens da Lava-Jato trocaram de lugar na história. “Antes eram combatentes da impunidade. Hoje, são símbolos dela. Degradaram as instituições da justiça, violaram a lei, e saíram pela porta da frente, sem terem respondido a contento por suas condutas. V vivem da mesma política que demonizaram e fizeram disso inclusive um empreendimento familiar, trazendo parentes para disputar eleições”, avaliou.
O cientista político e advogado constitucionalista Nauê Bernardo de Azevedo também destaca um saldo ruim da operação. “Várias empresas quebraram, tivemos problemas políticos gravíssimos. Serviu para alimentar o sentimento de anti-política na população brasileira, agentes navegaram politicamente nessa operação e acabaram indo para o parlamento”, ressaltou.
“No início, muitas pessoas compraram a ideia que era uma operação que merecia todo o apoio porque estava ‘limpando o país’. Inclusive, isso foi muito pautado nas eleições de 2018. Depois, ela se tornou uma espécie de trampolim para as aspirações políticas de agentes que não deveriam ter essas aspirações”, completou.
O cientista político Rafael Rodrigues Viegas, doutor em Administração Pública e Governo pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP) e presidente do Observatório do Controle, afirma que a Lava-Jato foi marcada por suas metodologias e disfunções observadas nos órgãos de controle como Polícia Federal, MPF e Justiça Federal.
“A parcialidade, o uso indevido e midiático de ferramentas de direito penal e processual penal, como prisões coercitivas e preventivas como meio de coação para delações premiadas, e vazamentos seletivos de informações são exemplos das ilegalidades praticadas por operadores da Lava-Jato”, destaca o especialista.
Viegas tece críticas sobre a atuação dos agentes públicos diante da força-tarefa. Para ele, a operação teve influência direta em eventos políticos históricos como o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e no crescimento da extrema-direita.
“A Lava-Jato é, sem dúvida, um evento político e midiático, de defesa de interesses corporativos, como são os interesses dos membros do Ministério Público, uma operação que afetou o funcionamento do Estado e da democracia brasileira. Procuradores instrumentalizaram estratégica e politicamente mecanismos da Justiça combinando com a exploração midiática a fim de maximizar os efeitos políticos da instauração de investigações, prisões, delações e sentenças”, disse.
“Assim, a Lava-Jato influenciou o impeachment de Dilma, as eleições de 2016 e 2018, é indissociável da ascensão da extrema-direita no país. Isso porque a trajetória da Lava Jato converge com a ascensão de políticos de extrema-direita no país, e reflete os desafios e retrocessos na defesa de direitos e anticorrupção”, completou.
Durante a Lava-Jato, foram mais de mil mandados de busca e apreensão, de prisão temporária e preventiva, além da condução coercitiva em cerca de 80 fases. O número de réus chegou a 600 e as penas superaram três mil anos de prisão.
Contudo, erros, excessos e vazamentos levaram a recuos e anulações de condenações. Com a soltura de presos e desmembramento de processos em diferentes instâncias, o modelo da força-tarefa foi encerrado em 2021, durante a gestão do ex-procurador-geral da República Augusto Aras.
Passada uma década, os principais nomes envolvidos na força-tarefa ainda ocupam o noticiário. Símbolo da operação, o então juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal em Curitiba (PR), e acumulou polêmicas e foi declarado suspeito pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nas ações que condenaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Depois, Moro abandonou a carreira e assumiu o comando do Ministério da Justiça durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Deixou a pasta, anunciou pré-candidatura à Presidência da República, e desistiu. Se candidatou ao Senado pelo Paraná e foi eleito, mas corre o risco de perder o mandato por conta de uma ação na Justiça Eleitoral por suspeita de caixa dois durante a campanha.
Outro rosto da Lava-Jato é Deltan Dallagnol. Ex-coordenador e porta-voz da operação, ele se afastou após denúncias de excessos e da divulgação de mensagens suas com o ex-juiz Sergio Moro e outros procuradores. Renunciou definitivamente no Ministério Público para apostar em uma carreira política, mas acabou sendo cassado como deputado federal no ano passado, após ser barrado pela lei da ficha limpa.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu que ele deixou o cargo de procurador tendo pendentes processos administrativos no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
“Lula renasceu. Deltan Dallagnol tentou a vida pública e pouco durou. Sergio Moro saiu do Olimpo e veio ao Planalto, com muita chance de retornar à planície. Os empresários, entre arrependidos e multados (por conta dos acordos), obtiveram alguns perdões e devem uma montanha de dinheiro (cerca de R4 11,7 bilhões) em recente atualização da CGU”, apontou o analista político Melillo Dinis.
“No caso do principal personagem, entretanto, há uma profunda decepção. Explico-me. Para mim, o principal personagem é o povo brasileiro. E o povo brasileiro, infelizmente, aprendeu que a Lava-Jato foi mais do mesmo a que nos acostumamos durante a história”, conclui o especialista.